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c. l. salvaro: eira alheia


11 jul – 08 set 2018
curadoria germano dushá

  • A Central Galeria apresenta a individual de C. L. Salvaro, eira alheia, sob curadoria de Germano Dushá.

    Partindo da concepção da palavra "eira", uma pequena área para trabalhar, o artista se infiltra no espaço e dialoga com o processo de transformação do espaço do porão do IAB em galeria, contradizendo o ditado português "não te metais em eira alheia".

    A seleção de obras se relaciona diretamente com o processo de reconstrução já forçado pela reforma da própria galeria. Os objetos produzidos refletem o percurso de C. L. Salvaro pela cidade ao utilizar de matérias primas que compõem as camadas do cenário urbano de São Paulo.

  • I. Durante o antes

    Esta exposição se formou em meio a tensão da reforma do próprio espaço em que toma lugar, durante os momentos prévios da abertura pública de um projeto, sob os ânimos que antecedem uma inauguração. Esta exposição ganhou corpo em meio a trabalhos físicos intensos, entre ruídos e muito calor humano, entre mudanças de plantas e planos, e tudo o mais que se deu ao longo da organização de uma nova função para o imóvel em que estamos.

    II. Na eira alheia

    Eira vem de area, significa pedaço de terra, é o nome que se dá aos terrenos cimentados ou lajeados usados para debulhar, secar e limpar cereais ou legumes. Daí denomina local de trabalho, propriedade, os bens de alguém. Por isso quando se diz “não vos metais em eira alheia” se anuncia demarcações, para que deixemos as questões individuais de cada um longe de nossos narizes e nossas mãos. Quando se diz “sem eira nem beira” — expressão popular surgida no período colonial — se refere às pessoas pobres, sem casa e, portanto, sem a ondulação que acompanhava a beirada dos telhados, feitas para proteger da chuva. Ou seja, aquele que não tem nem lugar de trabalho nem de morada. Aquele que não tem onde cair morto.

    Este espaço que C.L. Salvaro pegou para viver e trabalhar não é seu, não é aqui que poderá cair morto. Aqui, no entanto, instalou uma espécie de ateliê, passou os dias, trouxe trabalhos antigos, juntou com o que encontrou na rua. Aqui, a todo tempo, esteve submetido ao provisório. Fez parte de seu ofício negociar com as intempéries que acompanham uma obra civil e com as vertiginosas transformações diárias. Esta cidade que pegou para trabalhar também não é sua. Recém-saído de Belo Horizonte após muitos anos, e em trânsito há alguns meses, o artista abarcou aqui, arrumou um canto e achou um jeito de fazer seu ofício. Decidiu experimentar o espaço e a cidade em muitos aspectos: histórico, material, social, espiritual. No jogo de corpo cotidiano, imediato, urgente.

    C.L. se meteu na eira alheia, aportou numa oportunidade, armou um tramado para lidar com o passado e as atuais dinâmica do ambiente, para contar casos, para expor coisas dos outros, recolhidas do chão. O imóvel, que já foi um clube de artistas, depois um auditório e um porão, com certeza serviu a muitos programas, abrigou inúmeros encontros, e agora, pós-obra e com esta exposição, virou do avesso, se lança no risco, na via de se tornar outra coisa.

    III. Erro, acaso e resíduo

    Aqui se apresenta uma sequência de tentativas que aceitam o erro como parte integral do processo, o tomando em pé de igualdade com qualquer acerto. O artista o promove, e lida com o paradoxo de acertar ao cometer o erro. Há, desse modo, a abertura total ao acaso.

    De tudo isso ficou um pouco. Fica sempre um pouco de tudo. O concreto agarrado na viga, as marcas da forma de papelão no cimento, as conversas, as experiências das caminhadas em São Paulo. O que se reuniu aqui como trabalho evidencia, cada peça a sua maneira, vidas passadas em outras formas ou a menção a sistemas maiores. São restos: naturalmente só podem existir sob o signo do que já é passado, mas também nos arremessam sobre o que ainda há por vir. Esses pedaços que sobraram das ações do tempo, do uso ou de outras forças vetoriais, se conservam de forma dualística: como monumentos residuais, afirmando a lembrança; e matéria-prima, servindo de substância para próximos eventos.

    Como partes de um mesmo tratado, cada elemento conta uma história, sob perspectivas, tons e velocidades diferentes. Porém, não o fazem de uma posição de afirmação, apenas sugerem. Permitem que os acessemos por meio de associações operadas pela nossa memória e imaginação, ventilando possibilidades para suas biografias e futuros, para o que foram e para o que poderão se tornar. Neste exercício, operamos por duas vias: por um lado investigamos o ato de ruir — da textura da entropia às valorações que categorizam o senso de utilidade —, por outro, exploramos a potência do que foi tomado como obsoleto.

    A ruína está dada, sempre, mas sua dimensão completa é inapreensível. Lidar com uma possível materialidade de sua manifestação é dar um salto de fé, que abraça a dúvida, a situação de risco, a parte obscura do nosso entendimento. A teia de ferro que junta embalagens, pedaços de madeira, cacos de gesso e massas corridas trata do grau de incompletude da travessia, que agarra os resquícios do movimento. Revela marcas, vestígios, separações, assim como novas contingências, novas convivências. Diz respeito ao que sobra da gente enquanto seguimos. Nada passa por inteiro, nem fica por inteiro.

    // Germano Dushá

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