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ridyas: totem total


01 abr – 11 mai 2019
curadoria ángel calvo ulloa

  • A Central Galeria tem o prazer de apresentar "Totem Total", com curadoria de Ángel Calvo Ulloa.

    Meses antes de sua morte, José Ricardo Días "Ridyas" (Araçatuba, 1948 – São Paulo, 1979) inaugurou o que seria seu último grande projeto, a instalação Totem Total, que fez parte da 1ª Bienal Latino-Americana entre novembro e dezembro de 1978. Totem Total se inseria na manifestação “Mestiçagem”, uma das quatro em que foi dividida “Mitos e Magia”, tema central da controversa bienal que ocupou o Pavilhão Armando de Arruda Pereira, atual Pavilhão das Culturas Brasileiras do Parque Ibirapuera. Sua proposta inicial consistia em cinco monotipos que, sob os títulos “No principio era o caos”, “Genese”, “Mytose mítica”, “Totem” e “Fragmentação/Caos” estabeleciam um nexo entre as crenças de origem cristã e de religiões de matriz africana.

    Acompanhando aquelas monotipias, Ridyas projetara um grande totem modular composto a partir de um símbolo/caracter que, adaptado, conseguia representar o M de Mitos e Magia, mas também o E que unia aqueles conceitos. O totem, desenhado minuciosamente em múltiplos planos por ele, não foi finalmente construído com a escala que o artista havia inicialmente previsto e a instalação teve que ser apresentada com uma pequena maquete de pedra hoje desaparecida.

    Com a ajuda daqueles projetos que Ridyas guardara, incluídos à grande quantidade de documentação redescoberta em 2017 em sua primeira remontagem na Sala de Projetos Fidalga, a Central Galeria apresenta agora, sob curadoria de Ángel Calvo Ulloa, a instalação como Ridyas idealizara inicialmente.

    Em paralelo, acontece no Centro Cultural São Paulo (CCSP) a exposição "I Bienal Latino-Americana - 40 anos depois", exibindo uma seleção de documentos que integram a pesquisa do acervo do Arquivo Multimeios do CCSP sobre a mostra, realizada em 1978. O projeto tem curadoria de Fabrícia Jordão e reúne um conjunto variado de registros, como o filme da montagem e da abertura da mostra original, entre outros documentos.

  • Em março de 2017, trinta e oito anos após a morte de José Ricardo Dias Ridyas (Araçatuba, 1948 - São Paulo, 1979), sua família ofereceu-me a oportunidade de viajar para Santa Branca, no interior do Estado de São Paulo, para examinar toda a documentação que, desde sua morte repentina, estava armazenada em caixas na casa de campo da família. Acompanhado pela artista Alice Ricci, principal promotora dessa redescoberta, retiramos a vedação e revisamos por horas os cadernos, planos de montagem detalhados, recortes de jornais e diversos materiais que nos apareceram. O trabalho desse primeiro contato resultou na recuperação da instalação de Ridyas selecionada para participar da XIV Bienal Internacional de São Paulo em 1977, na seção Poesia Espacial da qual também participavam artistas como Alvaro de Sá, Wladimir Dias Pino, Emilio Isgró, José Pedro Costigliolo, Kurt Sigrist ou José María Cruz Novillo, além dos compositores e músicos Walter Smetak, Paulo Moura ou Ernst Widmer, os cenógrafos e autores teatrais Seme Lutfi e Rui Frati – Equipe Actio – ou Ewald Hackler, e o urbanista Mauricio Fridman. Aconselhados por Luiza Ricci, companheira e assistente de Ridyas nos anos prévios à sua morte, inauguramos em 31 de março de 2017, na Sala de Projetos do Ateliê Fidalga, a remontagem desse projeto que, meses depois, após a sua segunda apresentação na Semana de Arte pela Central Galeria, foi adquirida e passou a fazer parte da Coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo.

    Mas antes de abrirmos essas caixas, devemos voltar à história de José Ricardo Dias, que nasce como artista em 1967, de acordo com ele mesmo, com o seu primeiro contato com o livro Teoria da Poesia Concreta. Textos críticos e manifestos 1950 - 1960, publicado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, em 1965. Ridyas, que entre 1965 e 1966 estudou Desenho Arquitetônico, vai ingressar alguns anos mais tarde na FAUBC - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Braz Cubas de Mogi das Cruzes (1972), curso este que o artista tranca para retomar em 1977 na FAUFB - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Farias Brito da Universidade de Guarulhos. Neste período, ele une seus conhecimentos em arquitetura, sua atividade profissional como designer gráfico e designer de interiores, aos seus primeiros passos como artista. Em 1972 ele mostra pela primeira vez, na Faculdade de Letras de Santos, alguns poemas com os quais já assumia uma série de soluções formais muito próximas às que o grupo fundador da revista Noigandres havia desenvolvido. Havia entretanto, uma clara aproximação ao grupo que, em 1967, havia se definido como Poema Processo, de cuja existência Ridyas teria tido noticia no momento de sua viagem pelo Nordeste do Brasil em 1970. No entanto, talvez por causa de sua formação na fase mais dura da ditadura, o processo de Ridyas seguia uma linha que poderia parecer mais autobiográfica e menos explícita politicamente. Ainda assim, seu marcado caráter trágico derivava às vezes em reivindicações que transcendiam o pessoal.

    Assumida sua filiação a um campo de múltiplas influências, em 1973 ele será convidado a participar do evento Expoesia 1, projetado pelo escritor e professor Affonso Romano de Sant'Anna dentro do Departamento de Literatura da PUC-Rio que tinha como objetivo "organizar uma mostra onde estivessem representados os principais movimentos e tendências das últimas décadas e revelasse ao público novos poetas, éditos e inéditos" [1]. Como resultado de sua participação nesta exposição, seu trabalho será resenhado pela primeira vez em um extenso artigo do terceiro número da revista Argumento assinado por Antônio Carlos de Brito e Heloísa Buarque da Holanda, responsáveis por aqueles anos da teorização sobre o que eles chamavam de Geração Mimeógrafo, fundadora da Poesia Marginal que depois Buarque de Holanda reuniu no volume 26 poetas hoje.

    À medida que avança a década de 70, Ridyas será especialmente influenciado pela figura de Décio Pignatari e pelos estudos da semiótica, design e teoria da informação. Tais estudos irão derivar, como no caso de Pignatari, em trabalhos direcionados ao design de produtos e à imagem corporativa que, em muitos casos, realimentarão sua produção artística. No nível técnico, além de seus cuidadosos exercícios de caligrafia manual, aparecerão as letras transferíveis patenteadas pela empresa inglesa Letraset, em 1964, e que Augusto de Campos já havia começado a usar naqueles anos [2]. As Letraset vão aparecer continuamente durante toda a produção de Ridyas e, no caso dos poemas visuais montados sobre chassis, ele usará reproduções fotográficas de seus originais, tratados a fim de limpar tanto quanto possível qualquer traço manual.

    Entre 1973 e 1977, o artista participará de algumas exposições coletivas, como a Semana de Arte de São Bernardo do Campo (1976), onde também fará o cartaz para o edital. Durante esses anos, ele combinará sua atividade artística com o ensino, ministrando cursos de desenho de arquitetura na END - Escola Nacional de Design de São Paulo. Sua persistente pesquisa, que pode ser atestada por seus cadernos de anotações, vai culminar, em 1977, na configuração do seu primeiro projeto em grande escala, cuja origem está nos poemas de 1972 e que, evoluído para a instalação, será selecionado para a XIV Bienal Internacional de São Paulo. Isto significa, além do impulso necessário em sua carreira, uma oportunidade para o diálogo com outros artistas durante os dias de montagem da Bienal. Neste momento ele estabeleceu contato e se apresentou para alguns dos que estavam expondo no mesmo ano, cujos trabalhos podem ser vistos como importantes referências ao que sua breve produção futura viria a se tornar. Tal é o caso de Rubem Valentim, que ele conhece naqueles dias, e com quem irá criar uma ligação estreita que pode ser percebida na amigável dedicatória que Valentim escreveu para Ridyas em uma pequena serigrafia de sua autoria. É visível também a influência profunda que seu trabalho, pelo processo de síntese de suas formas ou pela relação estabelecida com as religiões de matriz africana, terá sobre o projeto Totem Total com que Ridyas vai ser selecionado, em 1978, para a I Bienal Latinoamericana. A influência das figuras de Álvaro de Sá e Wladimir Dias Pino, com quem ele dividiu a seção Poesia Espacial, também foi de grande importância, pois foram eles que, uma década antes, criaram o Poema Processo, que Ridyas havia assimilado de maneira tímida em casos como o da conversão da letra E em um feto, em um de seus primeiros poemas, ou em outro caso, quando a palavra fome é diluída em seis passos.

    Contudo, a figura que o afastaria da poesia visual para uma relação plástica das formas orgânicas e um forte vínculo com a natureza foi Frans Krajberg, presente na Bienal de 1977, com quem Ridyas, sequer teve a oportunidade de conversar. O nome do artista foi destacado por Luiza Ricci e agora, ao observar seus trabalhos daquele período, podemos concluir que o Totem Total encerra a série de referências anteriores para dar sequência a uma nova evolução que não poderia ser compreendida sem a influência de Krajberg. Tal influência junto ao fato de que a Bienal de 1977 introduziu importantes mudanças em seu trabalho, além da apresentar novos formatos artísticos, é confirmada em uma terceira instalação que Ridyas projetará para o concurso do I Salão Nacional de Artes Plásticas do Rio de Janeiro. É possível também notar o inevitável eco do Grupo Neoconcreto vinculado a uma vivência com o próprio trabalho que o artista experimentava naquele momento.

    Após a experiência vivida na Bienal de 1977, a nova linguagem sobre a que estava trabalhando conectará, de uma vez, uma série de acontecimentos vinculados ao Nordeste do Brasil. Em primeiro lugar, sua viagem de trem para a Bahia no início dos anos 1970, onde permaneceu durante algum tempo. Nessa viagem Ridyas entrou em contato com o artista Carlos Francisco de Almeida Sampaio, o Chico Diabo, e com o grupo de Poetas da Cacimba, com quem colaboraria posteriormente com três poemas visuais, além de fazer o projeto gráfico do livro Norte Morte. Antologia de Poetas da Cacimba, editado em Natal em 1976. O contato com Rubem Valentim confirmará seu interesse pela arte popular e suas derivações até uma formalização plástica, fato que o distancia da agenda esperada para um artista paulistano. Não será irrelevante para Ridyas que em 1978 o próprio Rubem Valentim – em uma operação iniciada no ano de 1975 para aumentar a presença de arte pública na cidade de São Paulo [3] – seja encarregado de realizar uma grande escultura para a Praça da Sé quando esta foi reurbanizada pelo motivo da construção da estação de metrô ali. Valentim criará um grande totem de mais de oito metros de altura intitulado Emblema de São Paulo, definido por ele como marco sincrético da cultura afro-brasileira e que, claramente, despertará em Ridyas o interesse por projetar um trabalho que fique para a posteridade, como centro de um lugar de encontro coletivo.

    Minha arte tem um sentido monumental intrínseco. Vem do rito, da festa. Busca as raízes e poderia reencontrá-las no espaço, como uma espécie de ressocialização da arte, pertencendo ao povo. É a mesma monumentalidade dos totens, ponto de referência de toda a tribo. Meus relevos e objetos pedem fundamentalmente o espaço. Gostaria de integrá-los em espaços urbanísticos, arquitetônicos, paisagísticos. [4]

    Em 1978 a Fundação Bienal de São Paulo convoca a I Bienal Latino-Americana com a intenção de "indagar acerca do comportamento visual, social e artístico dessa região imensa do Continente Americano, procurar seus denominadores comuns e instaurar a preocupação pela pesquisa e análise, com a finalidade de reconhecer nossas identidades e potencialidades" [5]. Para concorrer a essa nova chamada, Ridyas projetou o Totem Total, um conjunto escultórico que se inseria na seção Mestiçagem, uma das quatro em que foi dividida Mitos e Magia, tema central da controversa Bienal que nunca foi perdoada por alguns erros cometidos em sua primeira edição que, no entanto, outras bienais vêm cometendo ao longo de sua história.

    Sua proposta inicial consistia em cinco monotipos cujos títulos: No princípio era o caos, Genese, Mitos e mítica, Totem e Fragmentação/Caos; estabeleciam um nexo entre as crenças de origem cristã e de religiões de matriz africana. Para acompanhar as monotipias, Ridyas projetou um grande totem modular de três metros de altura e dois de largura, composto a partir de um símbolo ou caractere que, adaptado, conseguia representar o M de Mitos e Magia, mas também o E que unia aqueles conceitos.

    Nos projetos elaborados por Ridyas, estão definidos todos os detalhes para a disposição espacial do conjunto. Planejado para ocupar uma praça circular de doze metros de diâmetro em cujo centro se situaria o totem, circundado por uma parede curva que ocuparia um terço do perímetro da circunferência, sobre a qual se disporiam as cinco pinturas abraçando-o. Com o fim da Bienal, Ridyas havia previsto que a escultura ocupasse de maneira permanente algum espaço do Parque Ibirapuera, que permaneceu como projeto em um quarto plano de montagem intitulado Praça, cuja legenda dizia:

    A obra apresentada deve transcender esta exposição devido ao seu caráter monumental. Somente a praça absorve este caráter tornando-a ainda mais pública, mais participante. Marcando na paisagem a mensagem milenar dos nossos ancestrais da cultura pré-colombiana.

    Para a realização da escultura, Ridyas projetou e detalhou sua construção em uma série de oito blocos que poderiam ser de madeira ou concreto, os quais reproduziam o M/E, símbolo presente tanto no totem, quanto nas cinco pinturas.

    A possibilidade de se executar a escultura em dois materiais diferentes respondia, essencialmente, à sua exposição inicial dentro do pavilhão da Bienal e seu desejo de montá-la, posteriormente, no espaço aberto do Parque Ibirapuera com um material que fosse resistente às intempéries do tempo. No caso das pinturas, a ficha técnica apresentada por Ridyas no momento de sua inscrição, descreve-as tecnicamente como sendo óleo sobre papel, o que gera sérias dúvidas. Tais pinturas poderiam ter sido feitas com a técnica da litografia, monotipia, ou pelo uso de estêncil, que naqueles anos tinham forte presença nos processos de edição marginal.

    Devido à falta de patrocínio, o totem, desenhado minuciosamente em múltiplos planos por ele, não foi construído na escala que o artista havia inicialmente previsto e a instalação teve que ser apresentada como uma pequena maquete de pedra, hoje desaparecida. Assim como o totem, a parede curva que Ridyas havia projetado foi também substituída no projeto por algumas ripas de madeira encaixadas entre o teto e o solo, delineando a parábola inicialmente desenhada para sustentar as pinturas.

    Finalmente, a instalação teve que ser apresentada de maneira mais simples, com as peças dispostas sobre a parede reta do próprio pavilhão e com a maquete do totem colocada sobre um cubo branco. Ao ver algumas imagens de arquivo recuperadas pela curadora Fabricia Jordão para a mostra I Bienal Latino-americana 40 anos depois, inaugurada recentemente no Centro Cultural São Paulo, parece decepcionante que o ambicioso projeto de Ridyas tivesse, por fim, que se conformar em ser mostrado de modo tão aquém do projeto original e houvesse passado, por isso, despercebido. De qualquer maneira, sua investigação foi incansável e, tanto a quantidade de documentação gerada como o esforço de seu trabalho minucioso, nos leva a pensar em um personagem metódico, quase obsessivo, que parecia disposto a não perder nenhum instante, como se de alguma maneira intuísse sua breve passagem pelo mundo. A morte de Ridyas, com apenas trinta anos de idade, interrompeu o que poderia ter sido uma trajetória destacada dentro da arte brasileira de sua geração. Agora, quarenta anos após a primeira apresentação pública de Totem Total, a atitude meticulosa no desenvolvimento de seus projetos conjuntamente com o fato de sua família ter preservado esse material durante tanto tempo, possibilitaram a montagem, finalmente fiel, ao que o artista havia projetado inicialmente.

    // Ángel Calvo Ulloa

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    1. Antônio Carlos de Brito e Heloísa Buarque de Holanda, Nosso verso de pé quebrado, Argumento: Revista mensal de cultura, ano 1, nº 3, janeiro 1974, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro.

    2. Poesia concreta: o projeto verbivocovisual / [organização: João Bandeira, Leonora de Barros] - São Paulo: Artemeios, 2008.

    3. Sobre a efervescência que irá viver a escultura pública em São Paulo a partir de 1975 é esclarecedor o texto “Arte na cidade: emergência da escultura monumental em São Paulo”, de Aracy Amaral, presente em sua compilação de textos “Arte e meio artístico: entre a feijoada e o x-burguer”, Nobel: São Paulo, 1983.

    4. Rubem Valentim, Manifesto ainda que tardio, em Rubem Valentim: construções afro-atlânticas, MASP, São Paulo, 2018.

    5. Catálogo I Bienal Latino-Americana de São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo, 1978.

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